Nova postagem no blog próximo sábado

sábado, 17 de agosto de 2013

Ao Longo da Estrada...

   "Toda alma tem, pois, a sua vibração particular e diferente. O seu movimento próprio, o seu ritmo, é a representação exata do seu poder dinâmico, do seu valor intelectual, da sua elevação moral... As almas que vibram uníssonas reconhecem-se e chamam-se através do espaço. Daí as atrações, as simpatias, a amizade, o amor." León Denis - O Problema do Ser, do Destino e da Dor.

   Somos seres individuais, únicos, cada um de nós percorreu um determinado caminho que é só seu, utilizou de seu livre-arbítrio, tomou decisões que foram somente suas. E mesmo aqueles que não tomaram uma decisão, decidiram desta forma.

   E através destas escolhas fomos e vamos construindo nosso destino que altera-se a todo momento conforme as sementes que atiramos ao longo da estrada. Cada um de nós tem sua própria história e seu próprio ritmo no caminhar, alguns seguem mais apressados, esbaforidos, aceleram a viagem e não aproveitam a paisagem. Outros seguem caminho mais lento observando o que ocorre ao seu redor, procurando compreender e estudar cada palmo do caminho. Outros ainda arrastam-se pelo caminho, negam-se a dar um passo adiante a marcam passo na existência entregues ao ócio e à preguiça.

   E por tudo isso cada um de nós vibra em sua própria sintonia, construída por suas experiências, seus pensamentos, sua própria energia. E durante a jornada vamos encontrando aqueles que nos machucaram ou cuja sintonia oposta à nossa nos causa animosidade, e precisamos aprender a conviver com eles, trocar, aprender, reajustar, porque cada ser que cruza nosso caminho tem algo a aprender conosco e algo a nos ensinar...

   Mas a Misericórdia Divina jamais nos desampara e coloca em nossa caminho, igualmente, aquelas almas queridas, aquelas que já cruzaram anteriormente a nossa jornada e com as quais já construímos laços de amor, de ternura, de carinho. São almas que vibram na mesma sintonia, as almas que como citou León Denis, vibram juntas, reconhecem-se e chamam-se através do espaço. E mesmo que não possam estar sempre presentes fisicamente velam por nós de qualquer lugar do espaço onde se encontrem, e suas energias amorosas nos alcançam, nos dando forças para vencer as dificuldades e seguir em frente em nossa  jornada evolutiva.

   Por mais difícil que pareça o momento em que vivemos... jamais estaremos sós, sempre teremos amigos velando, torcendo, vibrando por nós.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Eu sei, mas não devia

Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.